Eu precisava melhorar minhas habilidades de controle o quanto antes. Sei que tenho um bom conhecimento e alcance mágico, também sei que consigo realizar o que me pedem, mas também sei que tem me faltado controle sobre meus poderes. Antes, não percebia isso, mas depois que cheguei ao instituto? Não há a menor dúvida de que preciso melhorar. Tenho visto diversos outros alunos — inclusive aqueles que tem poderes mágicos — realizando determinados exercícios e não cansando, enquanto eu faço a mesma coisa e perco quase toda minha energia. É, isso nunca foi um problema enquanto morava junto ao coven, eu sempre fui a melhor dentre eles, mas em Blackmore? Estava começado a reavaliar minha posição de deusa dentre humanos. Como assim, eles detém maior controle sobre seus poderes do que eu? Completa e totalmente inadmissível. Eu precisava melhorar esse aspecto e me mostrar o ser superior que sei que sou.

Quando digo que preciso treinar, talvez imagem que lhe venha a mente sou eu correndo pra lá e pra cá, praticando exercícios pesados e todo o tipo de acrobacia, mas não estou me referindo a este tipo de treino. No momento encontro-me sentada ao ar livre, no meu lugar preferido para melhorar as habilidades que descartam esforço físico: o campo de atletismo. Eu sei que isso é estranho, mas a grama aqui é tão macia e confortável que eu poderia passar o dia inteiro sentada sem cansar.

Dia nublado, o céu estava coberto por nuvens escuras que indicavam a possibilidade de chuva a qualquer momento e talvez esse fosse o motivo de eu estar ali sozinha. Ta bem, sozinha é uma palavra muito forte. Espalhados por toda a extensão da área existiam alguns outros alunos que não tenho muita intimidade, e, para mim, isso é o mesmo que estar sozinha. Eles não atrapalhariam meu treinamento com a dispersão de meu foco, né? É claro que não! Agora, como treinar controle sem outro feiticeiro? Isso eu não sabia, mas, certa vez, ouvi Yvora dizer que a melhor forma de entrar em contato com sua individualidade é ouvindo a si. Parece uma frase um tanto vaga para uma instrutora, mas o tema da prática era meditação, então, ao que mais ela poderia estar se referindo? — Certo, madame, certo... Vamos acalmar a mente. — disse em voz alta, para mim mesma.

O primeiro passo, e talvez o mais difícil, era me concentrar o suficiente para calar todas as vozes que ouvia ao meu redor. A falta de tantas pessoas nos campos me ajudariam com isso. Das oito pessoas ali, eu ainda conseguia sentir e ouvir o pensamento de três se misturando com os meus. Gal e Alice, duas amigas cujas vozes eram tão altas quanto seus pensamentos; e Domenico, o garoto silencioso, de pensamentos obscuros. Nem preciso falar qual foi mais fácil de interromper, né? De olhos fechados e sentada em lótus, comecei os conhecidos exercícios de respiração para manter a mente calma, só assim eu conseguiria moldar energia o suficiente para criar o bloqueio para Alice, a mais escandalosa.

Primeiro, tentei bloquear todos os sons externos. O canto dos pássaros, o vento que balançava a grama, os gritinhos eufóricos vindo das garotas, as conversas de um outro grupo de pessoas, as risadas. É, coisa pra caramba, mas no fim consegui anula-los a partir do foco em minha respiração. Em um dado momento, tudo o que eu ouvia era o barulho do ar entrando e saindo por minhas narinas, e, quando me desliguei totalmente, até isso desapareceu. Fisicamente estava pronta, mas mentalmente ainda precisava de preparação. Precisava controlar a energia mágica do ambiente bem o suficiente para cancelar quaisquer pensamentos que tentassem invadir minha, principalmente os que vinham de Alice. "— Francamente, mulher, se preserva! É a terceira vez que você volta com ele, já está na hora de se tocar que ele não te quer mais, né?" — o pensamento me ocorreu e, ainda de olhos fechados percebi que ao invés de fechar a mente eu estava a expandindo ainda mais. Foram poucas as vezes que consegui transmitir meus próprios pensamentos pra outras pessoas a essa distância, que bom que minha falta de paciência me ajudou a o fazer. Digo isso porque a cabeça da garota ficou ainda mais confusa depois de ter me ouvido. Ela não conhecia minha voz, é claro, então não sabia que era eu a origem daquele pensamento. Pelo menos foi isso o que pensei.

Agora, meu foco no treino de controle era outro. Descobri o gatilho para transmitir pensamentos à cabeças alheias e esse era: desligar-se da audição. Por que não continuar experimentando nessa descoberta? Não sei se essa foi uma boa ideia, mas sei que se fosse pra eu tomar uma detenção por entrar na cabeça de alguém, primeiro esse alguém teria que provar, certo? Como provaria? Quer dizer, até onde sabem eu só escuto pensamentos, né? Não sei, mas não vou deixar de treinar por isso. Ainda de olhos fechados continuei me concentrando para não retomar o foco na audição física, e perceber apenas com as ondas de pensamentos enviadas pelas pessoas ao redor.

Treino de perícia em Controle 1/2.

Eu estava ficando cada vez melhor no controle de minhas habilidades mágicas, vale destacar. Dois anos no instituto e eu ainda não podia dizer que era a melhor entre os outros alunos, ou podia? Provavelmente não. Havia estudantes melhores que eu no quesito controle? Sim. Tudo bem que a maioria dos outros não tem que lidar com tanta carga de poder, mas, ainda assim, eram melhores que eu nesse ponto específico. Pra quem me conhece sabe que acima de mim, aceito apenas os helicópteros da polícia federal, não me venha com historinha de um simples humano ser melhor do que eu em algo. Precisava melhorar o controle de minha individualidade para, assim, conseguir me manter mais tempo em simulações ou executar mais feitiços durante o dia sem me cansar. Outro dia senti uma dor de cabeça tremenda porque não consegui bloquear os pensamentos alheios pelo simples fato due estar estressada, dá pra acreditar? Culpei Francesco, é claro, foi ele quem me tirou do sério, mas na realidade eu sei que a culpada era eu. Estresse não era o motivo de eu não conseguir fechar a mente, minha inabilidade no controle da energia mágica, sim.

Lá estava eu, na sala de projeções, pronta para dar início ao treinamento de uma forma mais prática. Controlar os poderes enquanto estou calma, fácil, mas com o coração acelerado? Nervosa? Em movimento? Aí as é quando as coisas mudam. Sozinha no centro da sala metálica, olhei para cima e acenei com a cabeça para que o instrutor desse início a simulação. O metal da parece tremeluziu e começou a mudar, como ondas, toda a estrutura da sala.

Me vi de volta na cidade, de frente a um beco distante do centro, de onde ouvi uma voz feminina e sofrida clamando a Deus por piedade. O que mais eu poderia fazer além de responder a suas preces? Me apressei em sua direção, onde havia um grupo de homens. O céu estava escuro e sem nuvens, devia ser mais ou menos oito da noite quando chamei a atenção dos marmanjos sem noção. — Voltem já pro esgoto de onde nunca deveriam ter saído, cambada de rato! — gritei. Mais um gemido da mulher quando tomou o último chute me fez arrepiar a um arrepio percorreu todo o meu corpo. Os homens ficaram de pé e se viraram para mim com sorrisos estampados nos rostos, largos demais para humanos. O que diabos eram eles? Involuntariamente, dei um passo para trás e isso arrancou gargalhadas e piadinhas deles. O que? Por que eu estava respondendo a eles com recuo? Enchi o peito, tentando não encarar o corpo feminino caído para não perder o foco. Era difícil manter em mente que aquilo era apenas uma simulação, quando se tratava de um cenário tão real — e comum.

Respirei fundo, tentando reunir energia mágica o suficiente para acabar com todos os cinco. Controlar meus poderes para afetar diretamente suas mentes não adiantaria de nada, visto que eram apenas ilusões, então não seriam afetados por controle mental. Então, eu precisava focar em derrota-los sem gastar tanto poder mágico. Parando pra pensar, se aquele fosse um cenário real, eu conseguiria derrotar os cinco, mas isso custaria toda a minha energia e eu acabaria desmaiando no fim de tudo. Isso supondo que fossem humanos normais, não mutantes. Entretanto, é como eu disse: estou cada vez melhor no controle de meus poderes, talvez me surpreendesse no fim de tudo.

Primeiro, gerei uma esfera de energia mágica e lancei, certeira, em direção ao maior que já caminhava em minha direção. Um breve riso escapou por meus lábios ao vê-lo cair. — Próximo! — Vociferei com os olhos ardendo e fagulhas azuis flutuando ao redor das mãos. Os quatro ainda de pé avançaram juntos, droga! Tentei lançar outro feitiço em sua direção, mas não tive tempo o suficiente para a conjuração. Antes que pudesse dizer Desirée, eu estava no chão e os quatro estavam sobre mim. "— Foco..." — pensava, de olhos fechados e corpo encolhido, tentando me desligar do peso e dor que sentia a cada pancada. Tentava levar parte de minha energia para o centro de meu peito. "— Foco..." — continuei. Após algumas pancadas, consegui reunir poder o suficiente para derrota-los. Seria um único golpe.

Com um grito alto, de arder os pulmões, liberei toda a energia concentrada em meu peito. Meu corpo foi coberto pelo conhecido manto azulado da magia Chamberlain e os quatro homens foram lançados para cima. A altura? Não sei dizer, apenas posso afirmar que — pelo ângulo de seus membros após a queda — foi o suficiente. Respirei fundo uma última vez, ainda deitada no asfalto sujo. Não estava cansada, estava bem, e ainda precisava ajudar a mulher caída.  — Essa foi pra acabar, né? — disse, por fim, quando o instrutor desligou a simulação e o o céu escuro e sem estrelas desapareceu. Meus olhos se fecharam para evitar a luz branca do teto e me levantei. — Que tal um desafio de verdade na próxima? — provoquei de propósito, sem saber se sobreviveria na próxima. Saí desfilando, me esforçando ao máximo para manter a pose e não dar o braço a torcer. Apesar de serem ilusões, ainda doía.

Treino de perícia em Controle 2/2.