Não havia absolutamente nada que me irritasse mais do que desorganização no local de trabalho, eu fui designado para a função de garçom, que faz o que? Pega os pedidos, leva até a cozinha e depois entrega na mesa, não é nada tão complexo de entender, mas tem dias que o gerente abusa, ele não sabe deixar seu funcionário ali quietinho fazendo o que foi contratado para fazer, tem que ir lá e desviar ele de função porque outro faltou e não tem quem faça. - Estou indo Dylan. - Afirmei revirando os olhos antes mesmo que ele pudesse ver, porque bom, eu definitivamente não gostava e aturava o jeito que ele levava o trabalho, e não querendo ser egocêntrico, eu com certeza exerceria a função melhor que ele. E também, não reclamo porque sou novato, mas me fazer de tapa buraco é demais.

O dia na lanchonete até estava tranquilo, mas não justificava o fato de que eu teria que ficar no setor de bebidas, não suportava atender bêbados em fim de expediente, eles são carentes demais e eu não havia trocado mensagens com o Sebastian ainda, até porque ele estava ocupado nas aulas do instituto. "Cadê você para me salvar desse lugar essas horas." Refleti enquanto me encostava no balcão para pegar o pedido de quem entrava. - Eai chefe, como posso ajudar hoje? - A voz do outro atravessou meu ouvido como uma bala, queria tequila, mas ela estava guardada numa dispensa aos fundos. - Me aguarda uns minutos que vou buscar para o senhor no estoque. - Abri um sorriso tentando ser simpático o suficiente, mas admito, meu humor não estava dos melhores.

Quando cheguei no local de destino abri a porta com todo cuidado do mundo, não queria sem querer derrubar diversas garrafas no chão, ia fazer uma bagunça e tanto. "Tequila, tequila..." Pensei deslizando o dedo sobre as garrafas, procurando a bebida que o cliente havia solicitado anteriormente. E bom, eu estava irritado e talvez isso desencadeou minha individualidade, fazendo com que o líquido, mesmo com álcool, borbulhasse de dentro das garrafas. - Mas que porra. - Falei comigo mesmo fechando a porta para que ninguém visse o que estava acontecendo. - O Tiberius, o cliente tá aqui faz um tempão trás logo essa bebida. - Escutei o grito de longe, me fazendo se desesperar por um minuto. Bom, fazia muito tempo que eu não perdia o controle, mas parece que a falta de treinamento estava dando resultados, dos mais negativos possíveis.

- Dá pra ir logo. - Ecoou a voz dando três batidas firmes na porta, o gerente chegou a ir me buscar na dispensa para ver se já estava trazendo, então balancei a cabeça negativamente com a garrafa em mãos e saí para fora, fechando novamente a entrada para que ele não entrasse e visse o que eu estava provocando. - Aqui Dylan, pode levar para mim? Preciso muito ir ao banheiro. - Solicitei, fazendo careta como se estivesse quase mijando nas calças. O gerente então acenou com a cabeça e me apressei até o local. "Qual foi? O que tá acontecendo comigo?" Pensei, colocando meus dedos indicadores de baixo do olho, puxando a pele para visualizar se havia alguma alteração na minha pupila.

Com toda certeza eu não estava bem, só não sabia exatamente o que despertou esse descontrole. Dentro do sanitário ouvi a água borbulhar do vaso e a torneira começar a escorrer, bom, até mesmo as tubulações faziam barulho, o que me preocupava, eu podia ser descoberto desse jeito. "Se concentra Tiberius, se concentra." Abafei um gemido que saiu de minha boca, fechando os olhos e tentando me concentrar para reduzir a movimentação da água que havia ao meu redor, mas parecia que tudo estava sendo em vão, sem nenhum tipo de resultado. Após alguns segundos movi minhas mãos para a torneira que jorrava água, tentando fazer com que todo o líquido parasse de sair, era como se estivesse se expandindo dentro dos canos. - Ai que merd... - Pronunciei pausando a frase pela metade ao ser atingido por um jato de água que saía dali. - Cara você tá aí já faz quinze minutos, tá tudo bem? - Um funcionário se aproximou preocupado, então abri a porta todo ensopado, tentando inventar uma desculpa qualquer para me justificar. - Acho que tem algum problema nessas tubulações. - Falei saindo do banheiro, até que Dylan me barrou com o braço.

- Vai embora Tiberius, você esta nojento. - Baixei a cabeça, dando alguns passos até o armário que estava guardado minhas coisas, precisava urgentemente ir descansar, então fui caminhando até a saída. - Tem que olhar esse banheiro aí, ainda bem que foi comigo e não com um cliente. - Acenei com a mão, me afastando do estabelecimento para então poder ir para casa, afinal, o que diabos estava acontecendo comigo? Suspirei baixo e durante o trajeto fui tentando aquecer a temperatura da água que estava no meu corpo e em minhas roupas, tentando me secar.

Havia um murmúrio recorrente entre os funcionários da lanchonete, era como se algo tivesse acontecido e eles não sabiam como resolver, e bom, como eu já trabalhei como mercenário era meu papel descobrir as coisas que parecem inacessíveis. - O que houve gente? Porque estão cochichando tanto? - Questionei me sentando em uma das cadeiras que estavam disponíveis na sala, era de manhã e o estabelecimento ainda não tinha sido aberto. - Sabe aquele cliente de cabelo enroladinho que vem aqui toda quarta e quinta às dezoito horas? - Uma das funcionárias explicou, aliviando um pouco do receio que estava sendo criado pela minha cabeça, algumas paranoias, nada demais. - Sei, o Christian. - Comentei falando na lata o nome do rapaz que era o assunto da rodinha. - Pera, você o conhece? Eu quero muito o número dele. - Ela afirmou, o que me fez dar um riso baixo pensando no quão antiético era aquilo, se envolver com clientes, até que lembrei que foi assim que estabeleci um rolo com Sebastian, enfim, a hipocrisia.

Me levantei do banco e peguei meu celular para me aproximar da mulher. - Hoje é quinta, então provavelmente ele vai vir até aqui, se quiser eu tento pegar o número dele, só espero que ele entenda o recado e que não ache que sou eu que quero. - Brinquei dando uma piscadela para ela, mostrando a tela do meu celular e entrando no instagram. - Estamos parecendo até adolescentes de volta em, mas enfim, olha aqui… O nome dele a gente já sabe, é Christian. Ele frequenta aqui quarta e quinta e toda vez ele pede café extra forte, então ele provavelmente deve fazer algo durante a noite para que se mantenha acordado por bastante tempo sem ficar com sono. Eu diria que ele estuda a partir das 19 e chuto o curso de direito, ele sempre está com roupa formal, já percebeu? - Expliquei procurando com algumas hashtags no aplicativo algo que pudesse ser relacionado ao rapaz. No meio de tudo aquilo, só tive que conter o riso da cara da mulher, Agatha era muito espontânea e foi impagável a expressão que ela teve quando eu fiz toda uma linha de raciocínio para descobrir quem era o misterioso.

Admito que levou algum tempo até que a gente pudesse achar o rapaz, mas infelizmente as fotos estavam bloqueadas para quem não o seguisse, então olhei para a mulher e comentei. - Entra pelo seu celular, segue e chama ele no direct, é fácil de resolver. - Caminhei até a porta esperando que ela fizesse isso, mas do jeito que estava envergonhada duvidava muito que ela ousasse fazer isso. Por fim, fui até a entrada e abri a lanchonete para poder receber os clientes e ela foi atrás, me cutucando. - Pega o número, é mais romântico. - Agatha disse, com cara de cachorro pidão. E bom, de vez em quando eu não conseguia dizer não, então concordei com a cabeça e vesti meu avental, esperando a clientela chegar para poder atender. - Deixa comigo. - Sorri de canto ficando em prontidão para iniciar os serviços.

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A mulher estava olhando para o relógio na parede a cada minuto, deu dezoito horas, dezoito horas e um minuto e ela já estava perto de mim reclamando que Christian não havia chegado. - Calma mulher, ele deve estar atravessando a rua, o trânsito tá um caos lá fora, não consegue ouvir as buzinas? - Comentei entregando um último pedido que havia pegado. Bom, realmente eu estava certo, o garoto entrou com uma maleta e se sentou na mesa oito, como de costume. - O de sempre Christian? - Pronunciei chegando com um caderninho de anotações e uma caneta, todo sorridente. - Dessa vez me vê em dobro, hoje a noite vai ser puxada. - Ele comentou, tirando o notbook de dentro do que carregava, acessando alguns arquivos para aparentemente fazer um trabalho de faculdade, mas não fiz questão de descobrir. - Me dá um minuto rapaz. - Alertei indo até o balcão para solicitar o que ele queria.

- Psiu, Agatha, vem aqui. - E ela se aproximou, coçando a cabeça sem entender nada, mas fiz questão de explicar, talvez encorajar ela seria melhor do que eu resolver tudo sozinho. - Ele pediu dois cafés, ele provavelmente está tendo que resolver algo bem pesado por agora, faz o seguinte, leva três e senta na mesa, conversa um pouco, tenho certeza que ele está precisando desestressar, dá pra ver pela expressão que ele fez quando revelou sobre a noite ser puxada. - Revelei, esperando que a outra acatasse a ideia, porque querendo ou não, ela precisava tomar atitude e não depender dos outros, então permaneci por ali, fazendo um joinha com uma das mãos, esperando que tudo desse certo.

No tempo que Agatha e Cristian conversaram fui limpando as mesas de quem saía e recebendo novos pedidos de quem chegava, até que ela chegou para mim e me deu um abraço, isso depois do estudante de direito ter ido embora. - Ele é um fofo, obrigado Tiberius, você estava certo em tudo que falou, como você sabia? É um tipo de stalker? - Ela brincou me soltando e voltando aos serviços, e claro, ela não estava tão errada, investigar fazia parte do meu passado.

Não existem tantos mistérios a cerca de um medo involuntário de ser capturado pelos algozes italianos. Na minha vida jovem adulta tudo se resume aos detalhes e como eles são percebidos e absorvidos por mim. Em um anoitecer caminhando pelas ruas de Nova Iorque consegui perceber a presença de olhares direcionados a mim, como se me colocassem como um alvo com um prêmio na cabeça. Não há dúvidas de que provavelmente eu pudesse estar valendo alguma coisa, mas para impedir isso tinha que me camuflar, não apenas socialmente com uma profissão simples, mas planejar pequenas fugas em situações que pudessem me colocar em risco.

Com passos lerdos para ultrapassar o beco consumido pela escuridão da noite, fiquei virando o rosto continuamente a cada trinta segundos, verificando a aproximação da pessoa que estava se direcionando a mim. “Ela está me seguindo, isso está tão óbvio que ela nem consegue esconder.” Pensei enquanto me aproximava das paredes de concreto e acelerava os passos em seguida, tentando virar a direita antes que o outro se aproximasse suficientemente para me abordar. Não levou muito mais de um minuto para alcançar meu destino final, pois assim que saí do beco me pus atrás de uma caçamba de entulhos. ”Sorte ou não, isso aqui está fedendo e provavelmente irá camuflar o maldito perfume que resolvi passar hoje.” Fiz a reflexão, mantendo meu corpo imóvel em um silêncio absoluto.

A velocidade da caminhada somada aos pequenos olhares para calcular a minha distância do algoz me fez ficar em segurança, pelo menos por algum tempo. O homem quando saiu do beco olhou de um lado ao outro, percebendo que havia me perdido de vista. Posteriormente com o celular em mãos ele pareceu enviar mensagens a alguém, mas infelizmente meus olhos não conseguiram acompanhar a forma que ele batia os dedos para selecionar as letras, me deixando na dúvida do que poderia ser.

A conclusão final de tudo isso é que se eu quisesse ficar em segurança teria que melhorar minhas habilidades de furtividade, isso que acabei fazendo não passou de uma brincadeira de esconde-esconde. Afinal, quando as coisas começarem a ficar mais sérias e mais infiltrados sejam enviados por eles, mais em perigo eu e quem está ao meu entorno ficará. Quando o homem se distanciou suficientemente da caçamba me retirei dali, retornando meus passos por onde vim, analisando cada ponto estratégico que eu poderia utilizar em uma segunda vez como esconderijo. Eu não estava seguro por aqui.

O treinamento para se manter em forma e bem consigo mesmo é uma tarefa árdua, mas isso não diz apenas sobre erguer peso ou fazer caminhada, diz também sobre a alimentação que você ingere ou a quantidade de água que toma durante o dia. De qualquer modo, eu tenho certeza que além de elevar minha auto-estima, vou conseguir conquistar os olhares daqueles que tenho interesse, isso inclui os dois rapazes que se envolveram na minha vida. Sim, dois, é complicado demais para explicar, mas aconteceu.

Nesta manhã em específico resolvi sair do apartamento para andar na praça próxima do hotel, havia tomado um banho e colocado roupas frescas para suportar o calor que fazia. - Vocês dois são dois preguiçosos, nem acredito que vou ter que andar sozinho. - Me impus pra cima de Arthur e Sebastian, cruzando os braços em forma de expressar a brabeza que sentia por eles ao se negarem a me acompanhar na caminhada que faria. - Encontro vocês na hora do almoço, peçam comida light pra mim. - Dei uma piscadela, brincando e dando ênfase no tipo de alimento que gostaria de comer, só esperava que eles entendessem que eu não falava sério, afinal, domingo é dia de comer coisas não saudáveis, enfim a hipocrisia.

No caminho para a praça cumprimentei o porteiro e algumas senhoras que chegavam de uma caminhada, o que me fazia pensar se eu realmente estava agindo como velho mesmo sendo tão jovem ou só estava cuidando da minha saúde. - Bom dia senhoras. - Abri um sorriso saindo para fora do hotel, iniciando meu trajeto com passos lentos, mas acelerando até dado momento que eu aguentasse. A praça era bonita, então a vista ajudava para não ser algo tão sem graça, haviam árvores e sombra para não ficar exposto aos raios solares, embora naquele horário eles não fossem tão fortes para queimar a pele e causar danos. Eu utilizava fones de ouvido para escutar música, me distraía um pouco dos problemas que às vezes me rodeavam.

O tempo que permaneci na rota de caminhada foi até o meu limite, quando percebi que as pernas estavam querendo começar a doer, sabia que teria que retornar ao hotel. Tudo se faz aos poucos, caso eu quisesse melhorar 100% a minha rotina, ganhando resistência e fôlego para correr e fazer atividades físicas por mais tempo teria que retornar mais dias, repetindo cotidianamente até que sentisse que estava fazendo efeito.