Raros eram os momentos em que a morena poderia se sentir desprendida de toda aquela falsa história de normalidade. A arte era a maneira dela expressar o que guardava em seu íntimo, seus verdadeiros sentimentos, suas dúvidas, anseios. Mayumi presava por esse momento, pois naquele quarto nasciam suas obras mais simples, porém carregadas de significados. Essas pinturas nunca sairiam dali e isso trazia certo conforto para a morena, que seguia orientações e protocolos em outras pinturas a serem expostas na galeria que trabalhava. A luz alaranjada, por conta do entardecer, deixava o ambiente mais acolhedor para a mulher, que a essa altura estava suja com os  respingos de tinta. O som baixo de uma sinfonia embalava o traçado que o longo pincel fazia, rabiscos davam cor à tela branca demais. Os raios solares eram sua inspiração naquele dia, essa  era trazida possivelmente pelo hóspede, já que a alguns meses ele pairava nos pensamentos de Mayumi, mesmo ela querendo afastá-lo de seu imaginário, lá estava ele de alguma forma.

Alheia a tudo que não fosse a sinfonia e seus traços, lembrou-se de quantas telas ocultava dos olhos de Sirius, pois nelas o rosto dele era estampado. Mayumi nem ao menos pensava na possibilidade de mostrar algum deles para o hóspede, não existia um diálogo mental que a morena não terminasse parecendo algum tipo de esquisita apaixonada. Céus, aquela palavra estava assombrando a jovem, lhe deixando noites a fio sem sono tranquilo. As íris negras acompanhavam o caminho que a ponta do pincel trilhava na tela. Poderia aparentar calma, porém sua  cabeça trabalhava para tirar tal sentimento do peito, e quanto mais Mayumi tentava, mais ela sentia que estava fadada ao fracasso. Imersa em tantos pensamentos nem ao menos notou a presença ali, esse espionava, porém não tinha a habilidade necessária — julgando a forma descuidada  como se fez presente —, praticamente caindo e adentrando o quarto de supetão.

Mayume sobressaltou, errando o traçado, e atravessando a banqueta que sentava —  por conta de ser pega de surpresa. “Oi” fora tudo que o homem dissera, a mulher ,entretanto, perdeu completamente a fala. Precisou de alguns segundos para formular algo simples — Sirius, o que faz aqui? — questionou, a quem notasse o tom trêmulo da fala e esse seria causado  pelo susto — era o que Mayumi alegaria firmemente, nada teria a ver com os quadros —, a morena agradeceu mentalmente por cobri-los caso o homem, com curiosidade, pedisse novamente para ver o quarto. Era de praxe que ela recusa-se a falar sobre o que guardava ali, ou desviar  do assunto, mas agora era impossível adiar qualquer conversa sobre.

— Aqui é meu estúdio, mas , precisa de algo? — tentou desviar o assunto, caminhando em direção à ele, para que ambos saíssem.